sábado, 8 de dezembro de 2018

Incontinência urinária após AVC

A incontinência urinária (IU) é um problema comum após o Acidente Vascular Cerebral (AVC). Na fase aguda, afeta cerca de 50% dos sobreviventes. Embora a IU se resolva de forma rápida e espontânea para alguns sobreviventes, para outros, este problema persiste. Um ano após o AVC, um terço dos sobreviventes ainda apresenta algum grau de incontinência urinária. A idade, o sexo e a gravidade do AVC são fatores associados à ocorrência de IU persistente nos sobreviventes do AVC. Idosos, mulheres e sobreviventes com lesões cerebrais graves decorrentes do AVC apresentam maiores chances de terem IU após o AVC.
O tipo de IU mais comum após o AVC é a incontinência de urgência, que se caracteriza pelo desejo súbito de urinar associado ao vazamento involuntário de urina. A principal causa deste tipo IU após o AVC é o dano direto das vias neurológicas responsáveis pelo controle da micção. A incontinência urinária funcional também é prevalente nos sobreviventes e é decorrente de causas indiretas relacionadas ao AVC, tais como: déficit cognitivo, distúrbio de linguagem, incapacidade física, que geram a dificuldade de comunicar o desejo de ir ao banheiro ou de locomover-se até ele e retirar a roupa. Dessa forma, na incontinência urinária funcional, o sobrevivente apresenta a bexiga com o funcionamento normal, mas é incapaz de manter a continência urinária devido a outras limitações decorrente do AVC.
O diagnóstico da IU é realizado pelo médico por meio de histórico detalhado, exame físico, questionários, diário miccional, exames laboratoriais, de imagem e estudo urodinâmico. As diretrizes recomendam que os exames de imagem não sejam indicados, exceto se houver uma suspeita de distúrbios pélvicos subjacentes.
A IU pode trazer diversas conseqüências para a vida dos sobreviventes do AVC. Ela tem impacto direto no bem-estar psicológico. Por ser considerada uma situação humilhante e constrangedora pelos sobreviventes, a IU aumenta os sentimentos de tristeza e de isolamento entre eles. Em virtude do temor de perder urina e do odor, muitos sobreviventes com IU restringem ou extinguem a participação em eventos sociais e atividades importantes, afetando diretamente a qualidade de vida. Além disso, a IU pode contribuir para o surgimento de algumas complicações de saúde, tais como: lesão de pele e infecção, e ainda gerar sobrecarga financeira para o sobrevivente e sua família devido ao alto custo de produtos para gerenciamento da incontinência (por exemplo, fraldas).
Apesar do grande impacto que IU pode causar na vida dos sobreviventes do AVC, ela ainda é, muitas vezes, negligenciada. Isto pode ser decorrente das evidências limitadas para apoiar as decisões clínicas. Não há estudos robustos que avaliem as intervenções de tratamento da IU nos sobreviventes do AVC. Diante desta limitação, atualmente, na prática clínica, o tratamento para IU após AVC tem sido orientado pelos princípios gerais utilizados no tratamento universal da IU.
O tratamento da IU pode ser realizado com medidas conservadoras e/ou com terapia medicamentosa. Todas as diretrizes recomendam iniciar o tratamento da IU pelo conservador antes de partir para terapias mais invasivas. O tratamento conversador refere-se à terapia comportamental e fisioterapia. A terapia comportamental consiste na realização da micção programada (treinamento para urinar em horários programados e regulares), mudança de hábitos alimentares (redução de ingestão de cafeína), perda de peso corporal, cessação do tabagismo, tratamento da constipação e adequação da ingestão hídrica diária. Ainda no tratamento conservador, há a fisioterapia que pode indicar o treinamento dos músculos do assoalho pélvico, biofeedback eletromiográfico e eletroestimulação (algumas diretrizes consideram a eletroestimulação como uma intervenção invasiva e não conservadora). Na terapia medicamentosa, os antimuscarínicos (por exemplo, oxibutinina, solifenacina) são recomendados como a primeira e segunda linha de tratamento para IU. Os medicamentos agonistas do receptor b-adrenérgico (por exemplo, mirabegrona) são indicados como tratamento de segunda linha e são tão eficazes quanto os antimuscarínicos, mas os efeitos a longo prazo ainda são desconhecidos. Ainda há a opção de tratamento por meio de cateterismo vesical intermitente limpo e aplicação de toxina botulínica intravesical.
A UI é potencialmente tratável e estudos sugerem que a recuperação da continência está associada a melhores resultados após o AVC. Por conseguinte, faz-se necessário o tratamento e gerenciamento desta grave complicação.

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