Doces, salgados,
refrigerantes e frituras serão proibidos. Está nas mãos do governador José Ivo
Sartori a decisão de interferir na venda de ultraprocessados e de alto teor de
gordura nas cantinas das escolas gaúchas. O projeto foi aprovado na Assembleia Legislativa
e visa diminuir o risco de crianças adquirirem doenças crônicas, como
hipertensão e diabetes. O RS está no primeiro lugar no ranking nacional de
obesidade infantil
Crédito: Cristiano
Duarte
Proprietário de uma cantina em um colégio da rede privada, em Lajeado, Valcir Sonda muda o cardápio de forma gradual para se adaptar às novas regras. Implementação depende de sanção do governador |
Proprietário de uma
cantina em um colégio da rede privada, em Lajeado, Valcir Sonda muda o cardápio
de forma gradual para se adaptar às novas regras. Implementação depende de
sanção do governador
As
guloseimas estão prestes a ser banidas nas escolas gaúchas. A Assembleia
Legislativa aprovou projeto de autoria do
deputado
Tiago Simon que proíbe a venda de produtos como balas, pirulitos,
refrigerantes, frituras e salgadinhos industrializados nas cantinas de escolas
públicas e privadas do RS.
De acordo
com o autor da proposta, os alimentos vetados provocam sobrepeso, obesidade,
cáries, hipertensão arterial, aumento dos níveis de colesterol e
triglicerídeos, doenças cardiovasculares e problemas emocionais na
adolescência, trazendo graves consequências para a vida adulta.
Conforme
pesquisa do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da
Saúde, os casos de obesidade infantil subiram 79,3% em um intervalo de cinco
anos. O percentual de crianças entre 5 e 9 anos de idade com excesso de peso
chega a 33,5% no país. Na adolescência, o índice alcança 20,5%.
Segundo o
estudo, entre os motivos para o avanço, estão o excesso do consumo dos produtos
que o projeto pretende proibir. Os números influenciam no aumento nos casos de
ansiedade e depressão, na redução no tempo dedicado à prática de atividades
físicas e até na diminuição dos períodos de sono.
Se os
números nacionais preocupam, os do RS são ainda mais graves. Conforme Simon, é
o estado com maior prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e
adolescentes. “Estudos revelam que 75% dos adolescentes obesos tornam-se
adultos obesos”, argumenta o parlamentar.
Na
justificativa do projeto, o deputado cita os outros dois estados da Região Sul
como casos em que a iniciativa foi aplicada com sucesso. Em Santa Catarina,
balas e refrigerantes estão proibidas nas cantinas desde 2001. No Paraná, a
restrição existe desde 2005.
Mãe de
duas meninas de 11 anos, a professora Carina Zang Buffon, 47, é favorável à
medida. Segundo ela, a família institui um controle rigoroso quanto às
guloseimas, que só são permitidas um dia na semana. “Raramente compro esse tipo
de produto. Quando tem em casa, o consumo é moderado. Não deixamos elas comerem
um pacote inteiro, por exemplo.”
Para
Carina, a proibição na escola é importante por ser um ambiente onde as crianças
não são controladas pelos pais. “Tem crianças que ganham mesada para comprar
lanches e os pais não sabem no que eles vão gastar.”
Conforme a
professora, a educação alimentar na infância é fundamental para a saúde de toda
a vida. Segundo ela, a má alimentação está entre os principais fatores para o
desenvolvimento de doenças graves que atrapalham a qualidade de vida.
Proprietário
de uma cantina em um colégio da rede privada, Valcir Sonda, 56, afirma que a
mudança na escola já ocorre, de forma gradual. “Tentamos colocar alguns
alimentos que não estão na lista e são pouco procurados. Só não estou fazendo
salada de frutas porque é inverno e tem pouca saída nesta época.”
O bar não
vende chocolates e refrigerantes, mas Sonda lembra que as crianças ainda trazem
muitas guloseimas de casa. “Vejo muitas com refrigerantes na sacola. Se o pai
liberar a comer, o que posso fazer?”, questiona. Ele afirma que algumas
crianças chegam a comprar lanches três vezes por semana, em especial, pastel,
sanduíche, pizza e pães de queijo. Conforme o proprietário da cantina, todos
esses alimentos serão substituídos.
Educação alimentar
Diretor do
Colégio Sinodal Gustavo Adolfo, Edson Wiethölter afirma que a lei serve para
chancelar algo que a escola já pratica. “O assunto alimentação já faz parte dos
assuntos universais do nosso currículo faz mais de dez anos.”
Para ele,
a escola precisa fazer o papel de conscientizar os alunos para uma alimentação
saudável. “Temos uma cantina equilibrada, que vai ao encontro do que a lei
propõe, mas também não podemos colocar estudantes numa redoma de vidro e dizer
que não pode nada”, acredita. Conforme o diretor, o segredo está na educação.
“Em
primeiro lugar, essa lei vai atingir quem não estava preocupado com isso”,
alega. A partir do primeiro ano, quando os lanches de casa são permitidos, a
escola envia sugestões e orientações para a família.
“Temos
círculo de pais extremamente exigente, que acaba facilitando nesse quesito”,
ressalta. Lembra que todos estão diante de um mercado que vende tentações não
saudáveis, mas reforça que as famílias da escola estão conscientes da
necessidade de uma alimentação correta.
No Gustavo
Adolfo, as crianças são pesadas anualmente e a cozinha oferece lanche da manhã,
almoço e dois lanches na tarde, todos saudáveis.
Entrevista
“Preocupa o
surgimento de doenças crônicas na infância”
Jacira Conceição dos Santos é presidente do Conselho Regional de
Nutricionistas da 2ª Região, que representa os profissionais do RS.
A Hora – Quais as consequências da má alimentação na infância?
Jacira Conceição dos Santos – Cerca
de 50% da população adulta brasileira tem sobrepeso e obesidade. O Ministério
da Saúde tem uma ferramenta de avaliação nutricional nas escolas, onde se
verifica o aumento do sobrepeso e da obesidade nas crianças. O que preocupa é o
surgimento de doenças crônicas na infância. Crianças com 8, 10 anos,
apresentando índices anormais de açúcar no sangue, níveis de gorduras elevados
e até hipertensão. Esses quadros vão se agravando na medida que essa criança
vai crescendo. Ela se torna um adulto com doenças crônicas que afetam a
qualidade de vida e oneram o custo da saúde do país.
É importante regrar a venda de alimentos nas escolas? Por quê?
Jacira – Esse tipo de iniciativa, que
atinge a criança desde os primeiros anos escolares, é muito importante. As crianças
estão ficando cada vez mais tempo na escola, com iniciativas de turno inverso e
integral até na rede pública, pois existe uma dependência bastante grande das
famílias. A preocupação do Pnae é que as crianças tenham uma alimentação
saudável. Antes falávamos em merenda escolar, mas com esse quadro de ficar mais
tempo na escola a criança faz até quatro refeições na escola, então, todo esse
ambiente precisa oferecer alimentação saudável.
Qual o papel das famílias nesse contexto?
Jacira – Partimos do princípio de que o
exemplo deve partir dos mais velhos, mas nem sempre isso acontece. Mas uma
criança dizer em casa que na escola não tem bala, salgadinho ou refrigerante,
alerta os adultos sobre as consequências desses alimentos. O uso de
refrigerantes pelas famílias aumentou tremendamente nas últimas décadas e se
tornou um hábito arraigado. Se a criança tiver esse exemplo da escola, isso
influenciará os pais. A escola ensina que a alimentação saudável é o certo.
O que são os alimentos ultraprocessados?
Jacira – São alimentos que não têm a
característica do original e foram completamente modificados no seu sabor,
forma e textura. Um salgadinho de milho não tem mais nada de milho, por
exemplo. O guia de alimentação da família brasileira indica que se use o mínimo
possível esse tipo de alimento e que eles sejam trocados por produtos in natura
ou de preparação simples. Pode até ser industrializado, mas que não leve mais
de três ou quatro ingredientes. Tem alimentos que chega a ser assustador a
quantidade de ingredientes, até porque as pessoas não entendem o que está
escrito. A regra de ouro é incluir no máximo 20% de ultraprocessados na
alimentação.
Quais as consequências desse tipo de alimento na infância?
Jacira – São alimentos totalmente
condimentados que acostumam o paladar da criança. Se a ela se acostuma com um
alimento muito salgado, por exemplo, depois ela não vai achar gosto em
alimentos naturais ou com menos condimentos. Com isso, rejeitará a alimentação
saudável. Quanto menos a criança tiver contato com esses alimentos, melhor
educado ficará o paladar. Quanto mais cedo a criança for educada para uma
alimentação saudável melhor, porque os alimentos ultraprocessados se tornarão
agressivos para o paladar dela. Assim, não vão virar um hábito.
Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br | Cristiano Duarte: cristiano@jornalahora.inf.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário